Entrevista realizada pelo Dr. Drauzio Varella com a Nutricionista Sonia Tucunduva autora de diversos livros na área de Nutrição
Sonia Tucunduva é professora e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e autora dos livros “Nutrição e Técnica Dietética” (Ed. Manole, 2003), “Tabela de Composição dos Alimentos” (Ed. Gráfica Coronário, 2002) e, em coautoria com Marle Alvarenga, “Transtornos Alimentares” (Ed. Manole, 2004).
CRESCIMENTO DA OBESIDADE
Drauzio – Você concorda que a profusão de dietas que existe atualmente deixa as pessoas confusas?
Sonia Tucunduva – As pessoas realmente ficam confusas diante da profusão de dietas que existem atualmente. Nossos estudos já tinham mostrado que, durante um período, haveria essa transição nutricional e que as pessoas passariam do peso normal para uma obesidade supostamente transitória, mas que agora está instalada.
Os últimos estudos do IBGE mostraram dados alarmantes e não precisamos de números para comprovar esse fato. A mudança no formato físico dos brasileiros, principalmente por causa da alimentação inadequada, está diante dos nossos olhos, na saída das escolas, nos clubes, na praia, nas ruas.
NOVOS HÁBITOS ALIMENTARES
Drauzio – De acordo com os padrões atuais, a dieta do passado era pouco saudável. As pessoas cozinhavam com banha, punham linguiça no feijão e comiam carne vermelha sem nenhum remorso. Isso para não falar do torresminho e das frituras (batata frita era servida em quase todas as refeições). Entretanto, por paradoxal que possa parecer, as pessoas não engordavam. Por que, apesar de todos os cuidados, o número de obesos está aumentando atualmente?
Sonia Tucunduva – Sou descendente de europeus. Meus avós eram russos e tomavam um café da manhã reforçado, comiam carne e muita fritura. Entretanto, naquele tempo, a atividade física era intensa. As pessoas caminhavam, percorriam longas distâncias a pé.
Hoje, o modo de viver é outro; praticamente tudo está automatizado. Como consequência, as pessoas deixaram de movimentar-se e não gastam as calorias que ingerem e, por isso, acumulam peso.
Outro fator importante foi a inserção da mulher no mercado de trabalho (fato que se tem discutido muito nos últimos tempos), pois afastou das casas quem preparava a comida e sentava com os filhos à mesa para fazerem uma refeição calma, tranquila. Atualmente, a pressa, a vontade de resolver os problemas acabaram sufocando os cuidados com a alimentação e elevaram o estresse a tal ponto que a composição corporal não só dos brasileiros, mas da população do mundo inteiro, mudou. A obesidade é uma epidemia mundial que requer atenção também no Brasil.
EPIDEMIA DA OBESIDADE
Drauzio – É uma epidemia mundial que atinge pobres e ricos. Por exemplo, os índices de obesidade, no Egito, são assustadores, bem piores do que os nossos.
Sonia Tucunduva – O Brasil, infelizmente, tem grandes bolsões de pobreza, com alarmantes índices de desnutrição. Por outro lado, o País convive também com o problema da obesidade, do excesso de peso, consequência de hábitos alimentares inadequados. Às vezes, no mesmo núcleo familiar, existem crianças com desnutrição e mães obesas ou irmãos com sobrepeso.
Drauzio – O problema da obesidade está distribuído homogeneamente pelo País ou concentra-se em determinadas regiões?
Sonia Tucunduva – Tem uma distribuição mais ou menos homogênea, mas a situação é mais problemática nos grandes centros, principalmente por causa do modo de vida que a maioria da população é obrigada a levar. Em geral, as pessoas fazem as refeições fora do domicílio, porque as distâncias entre a casa e o local de trabalho são enormes.
Além disso, há outras variáveis importantes. É o caso da merenda escolar, por exemplo. Se não for institucional e bem equilibrada para fornecer à criança o aporte calórico necessário, pode transformar-se numa das causas da obesidade. O que se observa hoje é a presença constante de produtos industrializados (sucos, chás, refrigerantes, salgadinhos, biscoitos) na merenda que vem de casa. Fáceis de serem acondicionados, a mãe ou os cuidadores colocam esses alimentos pré-preparados na lancheira, embora não sejam adequados para a nutrição infantil.
Drauzio – Segundo os dados levantados pelo IBGE, a obesidade cresce mais rapidamente na faixa mais pobre da população. Quando se leva em conta o custo dos alimentos é fácil entender por que isso acontece. Mais dinheiro garante acesso a alimentos menos calóricos (que não são baratos), como leite e iogurtes desnatados, queijos e carnes mais magras, saladas e frutas. Os menos abonados, quando têm fome, recorrem a alimentos de menor preço, mas com excesso de calorias, como a gordura e o açúcar. Veja o exemplo da merenda escolar que você citou. Um sanduíche feito com um pedaço de pão e uma salsicha, acompanhado de um refrigerante popular, é mais barato do que um lanche que leva queijo menos calórico e peito de peru. Como resolver esse problema?
Sonia Tucunduva – Sem dúvida, o nível de renda e a escolaridade influenciam muito a questão da melhor escolha dos alimentos. Nossos estudos mostram que famílias com renda menor têm consumo exagerado de alguns tipos de nutrientes, como carboidratos e gorduras, e consumo restrito de proteínas.
Não se pode esquecer, porém, que o ato de comer não está apenas ligado à sobrevivência, mas é também uma fonte de prazer. De frituras, por exemplo, todos gostam, haja vista que batata frita faz parte do cardápio habitual do brasileiro. O mesmo acontece com o açúcar. É raro encontrar um café mais amargo nesses grupos familiares. Tudo é muito doce: sucos de fruta, refrigerantes, achocolatados. Até nos sucos em pó, que já contêm açúcar em sua composição, as pessoas colocam mais açúcar. A tudo isso some-se a falta de alimentos essenciais – legumes, verduras e frutas – para comporem com fibras, vitaminas e minerais o equilíbrio da alimentação. Pode ser impossível colocar um queijo melhorzinho na lancheira da criança, mas não é impossível colocar uma laranja ou outros alimentos menos calóricos e de bom valor nutritivo. As pessoas não o fazem por desconhecimento ou hábitos alimentares inadequados.
Drauzio – Por razões de trabalho, acompanhei uma pessoa fritando pedaços de frango e fiquei impressionado com a quantidade de óleo necessária. Em pouco tempo, dois ou três pedaços de frango consomem o óleo de uma frigideira que estava cheia e é preciso colocar mais e mais para fritar os outros pedaços. Qual é o consumo razoável de óleo por mês na casa de uma família pequena?
Sonia Tucunduva – Uma das perguntas de que nos valemos nas pesquisas de campo refere-se ao consumo mensal de latas de óleo. Às vezes, são cinco, seis latas numa casa onde mora uma família pequena. Por isso, a orientação é ensinar formas de preparo dos alimentos com menos óleo. Essa é uma técnica dietética importante. Atualmente, existem utensílios domésticos que permitem fazer isso, como a frigideira com revestimento de tefal e o micro-ondas.
Mesmo quando a fritura requer imersão do alimento, há maneiras de enxugar um pouco o excesso de óleo. Pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública mostrou que, no caso específico do frango a passarinho, há uma troca da umidade da carne com a gordura em que foi frito e ele sai praticamente seco. Mas, o que acontece depois? As pessoas refogam alho, cebola e outros ingredientes em bastante óleo e jogam em cima do frango.
Drauzio – Essas técnicas de preparo dos alimentos, porém, são pouco divulgadas.
Sonia Tucunduva – São realmente pouco divulgadas. No entanto, quando a orientação é personalizada, não se pode considerar só a dieta. Não basta dizer: comam frango grelhado. É preciso mostrar qual o melhor pedaço, como fazer o grelhado e qual é o tempo de preparo. Tudo isso é importante para o aproveitamento do valor nutritivo que depende de como os alimentos são preparados.
Drauzio – Atualmente, existem muitas opções de óleo no mercado. Qual o critério de escolha que deve orientar a compra desse produto?
Sonia Tucunduva – Recomenda-se o azeite de oliva pelo menos nas saladas. É caro, mas é um óleo bom. Com relação ao óleo utilizado nas frituras, não faz diferença se é de soja, de milho ou extraído de outros vegetais. Podemos usar o que estiver disponível, especialmente porque os preços variam muito. Por isso, não discutimos a qualidade, apenas insistimos em que se deve usar o mínimo possível. Além disso, absorver o excesso de óleo na fritura e não reaproveitá-lo muitas vezes são outras orientações importantes.
Uma pergunta que as pessoas me fazem sempre é a respeito dos pastéis de feira, um hábito alimentar comum nos paulistas. O problema não é o pastel, é o óleo que fica frigindo por muito tempo e cria compostos prejudiciais ao estômago. Aquela fumacinha que sai da panela não é provocada apenas pelo aquecimento. Provém da decomposição do óleo que produz um composto, a croleína, que agride a mucosa do estômago.
Óleo é bom, dá energia, mas um grama contém 9 calorias, bem mais do que um grama de açúcar que contém 4kcal. Não posso dizer: não coma gordura. O que posso dizer é coma com moderação.
Drauzio – Usar manteiga é melhor do que usar óleo nas frituras?
Sonia Tucunduva – Manteiga não serve para fritura. Ela é usada em refogados ou molhos que são colocados em cima de vegetais ou carnes, mas não recomendamos seu uso na culinária. Essa é uma briga permanente entre nutricionistas e chefes de cozinha. Estes se preocupam com o paladar, com o gosto que a manteiga confere na preparação dos pratos. Já os nutricionistas procuram evitá-la, porque se trata de uma gordura derivada de proteína animal.
Drauzio – Há três ou quatro anos, a revista Science publicou uma revisão bastante completa sobre o consumo de carne vermelha, concluindo o oposto do que se acreditava nos anos de 1970, 1980. Segundo o autor do artigo, não há nenhum trabalho científico provando que quem come carne vermelha está mais sujeito a doenças cardiovasculares, infartos do miocárdio ou derrames cerebrais. Como os nutricionistas veem o consumo de carne vermelha?
Sonia Tucunduva – A carne vermelha faz parte dos hábitos alimentares da nossa população. Ela é importante na dieta das crianças, adolescentes, gestantes e idosos para prevenir a anemia; portanto, não deve ser excluída das refeições. Seu consumo, porém, está cercado de modismos, como o conceito de que aumenta a agressividade porque o boi morre estressado. Tolice! A pessoa pode digeri-la com maior ou menor facilidade, mas não tem alterações de comportamento porque comeu esse tipo de carne. Como contra-argumento, brinco com meus alunos que, se a cenoura é arrancada viva da terra e posta viva na geladeira, deveria também estar estressada quando é consumida.
Em relação à carne vermelha, o importante é evitar as que têm gordura aparente. Em vez de comer um bife de picanha com um dedo de gordura amarela na borda, é melhor comer uma carne mais magra e preparada de forma saudável.
Drauzio – Qual seria a dieta saudável para evitar a obesidade?
Sonia Tucunduva – O primeiro requisito é a escolha dos alimentos. A pessoa que faz as compras deve escolhê-los dando preferência aos alimentos naturais. Depois, vêm os cuidados com o preparo, visando à menor perda possível do valor nutritivo. Sou defensora de que arroz e feijão, carne, salada, uma porção de verdura cozida e uma fruta de sobremesa constituem aquilo que se chama de refeição saudável. Isso significa que é preciso comer mais saladas, verduras e frutas naturais. De certa forma, voltamos ao que comiam nossos avós.
Para orientar as pessoas sobre a composição, quantidade e número das refeições, usamos a pirâmide alimentar e introduzimos o conceito de porção. Por exemplo, meia banana equivale a uma porção. Isso torna a dieta flexível e mais adequada para cada indivíduo em particular, porque é sua altura, peso, atividade física e sexo que vão determinar quanto precisa comer. Não dá para falar no geral. A dieta que vai vigorar nos rótulos dos alimentos futuramente e pressupõe o consumo de 2.500kcal pode representar o mínimo necessário para a sobrevivência de algumas pessoas e um exagero para outras.
Drauzio – Essas diferenças individuais é que atrapalham. Normalmente, as orientações que a população recebe são gerais, embora cada organismo se comporte de maneira diferente. Há os magros de ruins, que comem muito e não engordam, e os gordinhos que aumentam logo de peso.
Sonia Tucunduva – Essas diferenças preocupam, especialmente por causa das dietas milagrosas que aparecem a todo instante. As pessoas compram os livros, seguem as instruções à risca e acabam tendo problemas, embora muitas consigam resultados positivos num primeiro momento. No entanto, como essas dietas não propõem mudança do comportamento, gradativamente as pessoas retomam os hábitos alimentares antigos e engordam novamente.
APRENDENDO A COMER
Drauzio – Quando os cuidados com a alimentação deveriam ser ensinados às crianças?
Sonia Tucunduva - Os cuidados com a alimentação saudável deveriam começar muito cedo na vida da criança. Assim como a mãe a condiciona a escovar os dentes depois das refeições e antes de deitar-se, deveria condicioná-las a selecionar os alimentos.
Esse tipo de orientação também deveria ser dado nas escolas para conscientizar crianças e adolescentes da importância da alimentação saudável desde a barriga da mãe. Mas, não, só se ouve falar nisso, quando alguém apresenta um problema grave de saúde, ou a mídia aborda o assunto.
Nossa população está envelhecendo. No Hospital das Clínicas, há grupos de idosos com mais de 80 anos. Que qualidade de vida queremos para nós próprios quando atingirmos essa idade?
Drauzio – Quando se fala em dieta, são tantos os detalhes, que fica difícil conhecê-los todos. Eu mesmo, que tenho interesse pelo tema, há pouco descobri que tomar o suco de uma laranja fornece mais calorias do que comer a laranja inteira e que o arroz integral tem, teoricamente, mais valor nutritivo e menos calorias do que o arroz beneficiado.
Sonia Tucunduva – O arroz integral é melhor porque está com o grão inteiro, tem mais fibras e mais vitaminas. No entanto, é mais caro e demora mais para cozinhar. Eu sempre oriento as pessoas a comerem arroz integral, mas elas estranham seu sabor. Recomendo-lhes, então, que ele seja incluído no cardápio, pelo menos uma vez na semana, e oferecido às crianças com o intuito de criar novos hábitos alimentares.
Informar sobre o valor nutritivo dos alimentos é muito importante, mas a formação de um novo hábito ou a mudança de hábitos antigos são difíceis e levam tempo.
Até os sete, oito anos, estão formados os hábitos alimentares, que só mudam por causa de um susto provocado por um problema grave de saúde, como o infarto ou o AVC. Na verdade, às vezes, muda por um tempo, mas volta assim que passa o susto.
Drauzio – Você diz que os cuidados com a alimentação devem começar na infância, mas tem criança que se recusa terminantemente a comer saladas. Quanto tempo a mãe deve insistir em oferecer-lhe esse tipo de alimento?
Sonia Tucunduva – Sempre pergunto às mães e pais, que dizem que o filho rejeita a salada que oferecem, se eles comem salada. Os hábitos alimentares não são adquiridos levando em conta apenas o paladar de cada indivíduo – gosto desta comida e não suporto nem o cheiro daquela -, mas também por imitação. No começo, as crianças podem não aceitar determinados alimentos, mas, vendo como a família escolhe o que põe no prato, acabam adquirindo o hábito de comer legumes e verduras, por exemplo.
Temos estudos realizados em creches, com serviço self-service para crianças de dois, três anos de idade, que se servem sozinhas e comem salada. Isso serve para provar que as crianças não aceitam certos alimentos porque não conhecem e não têm o exemplo. Cada um de nós, provavelmente, se lembra de alguma coisa que não comia na infância porque achava ruim o seu sabor e da qual passou a gostar mais tarde.
SERVIÇO DE ATENDIMENTO
Drauzio – Você poderia dar uma visão geral dos serviços que a Faculdade de Saúde Pública oferece em termos de alimentação saudável?
Sonia Tucunduva – Na Faculdade, existe um programa de alimentação saudável visando à melhor qualidade de vida. Ele funciona no Centro de Saúde Geraldo Paula Sousa, uma clinica de atendimento nutricional, onde trabalham os alunos de graduação e pós-graduação. É um trabalho em grupo, porque acredito na troca de experiências.
A orientação é personalizada e baseia-se na escolha dos alimentos e na distribuição das refeições ao longo do dia. Para tanto, procura-se respeitar os hábitos alimentares de cada pessoa, mantendo os bons e, gradativamente, reformulando os ruins.
Outro aspecto importante é a ingestão de água. A luta é para que as pessoas bebam oito copos de água por dia, sem contar o líquido utilizado no preparo dos alimentos. E água não é chá, não é café, não é refrigerante. Além disso, insistimos na atividade física. Recomendamos que caminhem. Às vezes, as pessoas argumentam que não têm como pagar uma academia. Para caminhar ninguém precisa de academia. No terreno em que funciona o prédio da escola, há um pequeno lago cercado de pedras. Nosso conselho aos funcionários, pacientes e alunos é que caminhem em volta dele, contando os passos. Atividade física e alimentação saudável são fatores importantes para conseguir melhor qualidade de vida.
Drauzio – Com esse mesmo objetivo, quais alimentos devem ser consumidos com frequência e quais com parcimônia?
Sonia Tucunduva – Damos ênfase ao arroz com feijão, todos os dias, se possível no almoço e no jantar, às verduras cruas e cozidas e às frutas naturais, inteiras ou sob a forma de sucos. O Brasil é um país tropical, com enorme variedade desses alimentos que podem ser encontrados nas feiras, sacolões e mercados. Além disso, é preciso ter calma ao fazer as refeições. Comer faz parte da vida e merece atenção.
Entre os alimentos que devem ser consumidos com parcimônia estão o açúcar e as gorduras. É recomendação da OMS que seu consumo seja diminuído, e não abolido da dieta. Se todos os dias nos esforçarmos para adoçar menos os sucos, o leite e o café, estaremos mudando nossos hábitos alimentares e consumindo menos açúcar.
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