Muita coisa mudou desde que o Homo sapiens começou a cruzar e selecionar espécies na natureza. A arte renascentista nos dá pistas dessa história. Matéria da Revista Saúde.
Visitar museus e exposições de arte nos permite viajar pelo tempo e ver as roupas, os costumes e os principais acontecimentos da vida de nossos antepassados. Em determinadas pinturas, dá também para reparar que a comida deles era bem diferente daquela que colocamos no prato hoje em dia.
Obviamente, itens como nuggets, pipocas de micro-ondas e macarrões instantâneos nem passavam pela cabeça dos cozinheiros. Mas é curioso notar que até mesmo frutas e verduras eram distintas daquilo que estamos acostumados.
O exemplo mais claro disso vem da obra Melancias, pêssegos, peras e outras frutas numa paisagem, pintada pelo italiano Giovanni Stanchi em alguma data entre 1645 e 1672. Você pode conferi-la aí embaixo:
Sim, essas eram as melancias maduras disponíveis para os europeus do século 17. Ao contrário das nossas, elas parecem ser divididas por fibras brancas em seis sulcos e são bem menos vermelhas.
Mas será que não se trata apenas de um erro do pintor?
Telas como Abacaxi, Melancias e outras Frutas Brasileiras, do holandês Albert Eckhout (1610 – 1665), e Melancias e Glórias da Manhã, do americano Raphaelle Peale (1774 – 1825) acabam com qualquer dúvida:
Esses quadros são uma mostra clara de como a intervenção humana modificou a forma, a cor e o sabor de uma série de vegetais que cresciam na natureza. Para usar o exemplo da melancia, há 3 mil anos a.C., ela só nascia na região africana onde estão Namíbia e Botsuana. Hoje em dia, a fruta é cultivada em mais de 15 países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos.
As diferenças não param por aí, como aponta um infográfico produzido pelo professor de química James Kennedy, da Universidade Monash, na Austrália.
A tataravó da melancia tinha só 50 milímetros de diâmetro (ante os 66 centímetros atuais), pesava 80 gramas (a nossa varia entre 2 e 8 quilos), era extremamente amarga (a atual é doce e suculenta) e possuía seis variedades (temos 1 200 opções na lavoura!). Como se não bastasse, vale lembrar das melancias quadradas e sem sementes comercializadas nos mercados mais modernos.
Tudo mudou
Mas o que ocasionou essa metamorfose tão drástica ao longo desses mais de 5 mil anos?
É isso que você está pensando: o ser humano. Após a Revolução Agrícola, a mistura do acaso com o desenvolvimento de uma série de técnicas permitiu o cruzamento entre diferentes espécies vegetais.
Os jardineiros do passado selecionavam plantas da mesma espécie que tinham algumas características desejáveis — um pé de melancia que produzia frutos mais adocicados e vermelhos e outro que gerava unidades com maior tamanho, por exemplo — e faziam cruzamentos entre elas. Assim, aumentavam a probabilidade de que as novas gerações nascessem “melhores” que as anteriores.
Isso não aconteceu só com a melancia, claro.
Acredite se quiser, mas a cenoura que nossos tataravôs botavam na sopa era roxa! Uma série de engenharias realizadas por lavradores holandeses possibilitou a alteração para o laranja. Como essa variedade era maior e mais doce — e fazia uma conveniente homenagem à casa de Orange-Nassau, a família real dos Países Baixos — ela se popularizou até deixar pra trás e extinguir suas irmãs arroxeadas.
E essa mesma história se repete com o milho, o pêssego, a cereja, o trigo… Você provavelmente se daria mal se tivesse que visitar uma feira livre da antiga Mesopotâmia ou dos burgos da Baixa Idade Média.
Eles dominaram o mundo
Recentemente, a coisa evoluiu ainda mais com a possibilidade de edição genética, tornando o processo ainda mais preciso. É possível inserir genes de qualquer ser vivo em determinada espécie de vegetal (ou até em animais), permitindo que ela crie resistência a pragas, produza vitaminas ou tenha cores e formatos novos. Falamos dos transgênicos, tópico de acalorados debates mundo afora.
Se estamos acostumados a ver aquele “T” num triângulo amarelo nas embalagens de produtos que contenham milho e soja, o amanhã nos reserva muitas novidades: maçãs que não escurecem (já liberadas nos Estados Unidos), arroz rico em vitamina A, alface com doses de ácido fólico e tomates roxos cheios de antocianinas. Apesar de não existirem evidências sólidas de que eles são prejudiciais à saúde, podemos esperar muita controvérsia por aí.
Da mesma maneira que ficaríamos perdidos no sacolão do passado, não dá para imaginar qual seria o resultado de uma visitinha ao varejão do futuro. Uma coisa é certa: o ser humano continuará a modificar a natureza à sua volta e, claro, se beneficiar (ou sofrer) com as consequências de seus experimentos
Fonte: Revista Saúde
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